Ressurreição em latim (resurrectione), grego (a·ná·sta·sis). Significa literalmente "levantar; erguer". Esta palavra é usada com freqüência nas Escrituras bíblicas, referindo à ressurreição dos mortos. No seio do povo hebreu, a palavra correlata designava diversos fenômenos que eram confundidos na mentalidade da época. O seu significado literal é voltar à vida, assim o ato de devolver uma pessoa considerada morta era chamada ressurreição; Existe a conotação escatológica adotada pela igreja católica para esse termo que é a ressurreição dos mortos no dia do juízo final.
Através dos séculos, os cristãos ortodoxos sempre confessaram o credo dos apóstolos: “Creio na ressurreição da carne”. Esta confissão de fé na ressurreição “carnal” dos crentes é fundamentada na fé da ressurreição do corpo de Cristo. Apesar da convicção inabalável da igreja histórica na ressurreição da carne, existem, em nossos dias, alguns que se julgam ortodoxos, mas não aceitam esta doutrina. No passado, também houve aqueles que se apartaram dessa confissão pregada pelo cristianismo apostólico, negando a realidade da ressurreição. Hoje, igualmente, alguns continuam sendo tentados a mudar de rumo negando a materialidade da ressurreição. O que nos chama a atenção nisso tudo é que os tais não têm dificuldades em pregar uma “tumba vazia” enquanto, de forma irônica, negam que um corpo material (carnal) possa ter emergido desta. Em resumo, enquanto negam a materialidade da ressurreição, confessam sua objetividade, e, baseados nesta confissão, concluem que detém uma fé bíblica.
Existem acadêmicos que realmente acreditam que Jesus deixou para trás uma tumba vazia, entretanto, o corpo de sua ressurreição foi invisível e imaterial em sua natureza. Distorcem os ensinamentos do apóstolo Paulo e ensinam que “o corpo futuro (ressurreto) dos crentes não será carnal, mas unicamente um corpo espiritual”. O professor E. Glenn Hinson concorda que Paulo foi convencido de que o Cristo que lhe apareceu no caminho de Damasco pertenceu a outra ordem de existência, diferente daquela que os discípulos conheceram em carne. “O Cristo ressurreto não possui um corpo físico, mas um corpo espiritual”. O acadêmico Murray Harris, da Trinity Evangelical Divinity School, é outro exemplo deste deslize teológico. Ele é categórico em dizer que: “depois da ressurreição de Jesus o estado essencial de seu corpo era de invisibilidade e imaterialidade”. Harris ainda acrescenta que o corpo de ressurreição dos cristãos “não será carnal de forma alguma”. De acordo com esta concepção, o corpo ressurreto de Jesus não era o mesmo corpo físico que Ele possuiu antes de sua morte, mas uma espécie de segunda incorporação.
Perguntamos: Seria justo classificar essas pessoas de “hereges”, simplesmente porque afirmam que Jesus não ressuscitou no mesmo corpo físico no qual Ele morreu? Qual é a importância de pregar que Jesus ascendeu ao céu com um corpo físico? Não bastaria apenas concordar que de fato Ele ressuscitou, que sua tumba está vazia e que Ele venceu o poder da morte? A resposta para estas questões encontra respaldo em elementos históricos e teológicos. Vejamos:
A confissão da igreja cristã[]
Antes de qualquer coisa, não há como negar a contundência confessional da igreja cristã. A igreja não apenas sempre afirmou a imortalidade do corpo da ressurreição, mas também sua materialidade. A igreja sempre concordou com o apóstolo Paulo de que o corpo da ressurreição é um corpo “espiritual”, ou seja, um corpo dirigido pelo espírito, porém, jamais negou que fosse também um corpo material. Isto está de acordo com o que o apóstolo ensina: “Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1Co 15.44).
Isto fica patente e evidente quando Jesus aparece aos seus discípulos, já ressurreto, e diz: "Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho." (Lucas 24 : 39)
O testemunho apostólico[]
Desde o princípio, a igreja cristã confessou que o corpo físico de Jesus foi elevado ao céu. Esta convicção está baseada em várias referências explícitas do Novo Testamento e em vastas evidências tangíveis. O próprio Jesus disse que o corpo que Ele ressuscitou era de “carne e ossos” (Lc 24.39). Falando sobre a ressurreição de Cristo, Pedro insistiu neste assunto ao pregar que a “carne dele (Jesus) não viu a corrupção” (At 2.31). Escrevendo posteriormente sobre a ressurreição, João declarou que Jesus veio [e permaneceu] em carne” (1Jo 4.2. Cf. 2Jo 7). O corpo que emergiu da tumba na manhã pascal foi visto por aqueles que duvidaram (Mt 28.17), foi ouvido por Maria (Jo 20.15,16), e até mesmo abraçado pelos discípulos (Mt 28.9) em muitas ocasiões depois da ressurreição. Além disso, Jesus se alimentou pelo menos quatro vezes após sua ressurreição (Lc 24.30; 24.42,43; Jo 21.12,13).
O testemunho Pré-Niceno[]
Seguindo o testemunho apostólico, o testemunho Pra-Niceno (isto é, anterior ao conselho de Nicéia, registrado no ano 325 d.C.), também evidencia a crença na ressurreição da carne. Um dos pais da igreja, Justino Mártir (100-165 d.C.) disse claramente: “A ressurreição é a ressurreição da carne que morre”. Em relação àqueles que insistem que Jesus ressuscitou apenas espiritualmente, dizendo que seu corpo tinha somente uma “aparência” de carne, Justino declarou que “tais pessoas buscam privar a carne da promessa”. Justino até relaciona que a ascensão de Cristo aponta que é possível “a carne ascender ao céu”. Tertuliano (160-230 d.C.) declarou que a ressurreição da carne é uma “regra de fé” para a igreja quando disse que isto foi “ensinado por Cristo” e somente negado por hereges. Em seu tratado, “A ressurreição do corpo”, Tertuliano comenta sobre um professor cristão do segundo século, Athenagoras, que havia chegado à conclusão de que “o poder de Deus é suficiente para ressuscitar corpos mortos, e este poder é mostrado pela criação destes mesmos corpos [...] Se quando os corpos físicos não existiam, Deus os criou em sua primeira formação, com seus elementos originais, Ele (Deus) poderá, quando estes corpos se dissolverem, de qualquer maneira, os elevar novamente com a mesma facilidade com a qual os criou [...] Isto também foi igualmente possível a Ele (Jesus)”.
O testemunho Pós-Niceno[]
No quarto século, o segundo credo de Epifânio (374 d.C.) confessou que “a Palavra se tornou carne [...] o mesmo corpo carnal que sofreu; ressuscitou e foi elevado ao céu [...] Ele (Jesus) virá no mesmo corpo em glória para julgar os vivos e os mortos”. Cirilo de Jerusalém (315-386 d.C.) classificou como herética a reivindicação de que “o Salvador ressuscitou como um ‘fantasma’, não real fisicamente”, pois isso contraria o que Paulo disse que Deus prometeu “acerca de seu Filho que nasceu da descendência de Davi segundo a carne, declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.3,4). O preeminente teólogo Agostinho (354-430 d.C.) declarou: “É indubitável que a ressurreição de Cristo e sua ascensão ao céu em carne já foram proclamadas e cridas no mundo inteiro”. Agostinho chega até a afirmar que Deus juntará novamente ao corpo da ressurreição “todas as porções que foram consumidas pelas bestas ou foram incendiadas, ou foram dissolvidas em pó e cinzas...”.
O testemunho medieval[]
Anselmo de Cantuária (1033-1109 d.C.) também insistiu na natureza material do corpo da ressurreição. Falando sobre o assunto — “como o homem subirá com o mesmo corpo que possui neste mundo” — asseverou que: “se o homem será perfeitamente restabelecido, sua restauração deveria torná-lo como se ele jamais tivesse pecado [...] Então, como homem livre do pecado, ele seria transformado com o mesmo corpo anterior, mas a um estado imortal. Assim, quando ele for restabelecido, deverá possuir o ‘próprio corpo’ em que ele viveu neste mundo”. Nesse contexto, o grande teólogo, Tomás de Aquino (1224-1274 d.C.), disse acerca da ressurreição: “O espírito em si não torna um corpo ilusório ou divino, ou um corpo com outra constituição orgânica, antes um corpo humano é composto de carne e ossos e todos esses elementos desfrutam de existência”.
O testemunho da Reforma Protestante[]
A Reforma Protestante prosseguiu afirmando a ortodoxia da natureza material do corpo da ressurreição. A Fórmula de Concórdia Luterana (1576 d.C.) reza: “Acreditamos, ensinamos e confessamos [...] os artigos principais de nossa fé sobre a criação, a redenção, a santificação e a ressurreição da carne...”. A Confissão de Fé Francesa, preparada com o auxílio de João Calvino e aprovada pelo Sínodo de Paris (1559 d.C.), pronunciou que: “Embora Jesus Cristo, ressurreto dentre os mortos, tenha evidenciado a imortalidade de seu corpo, contudo, não negou a verdade de sua natureza, e nós o consideramos em sua divindade, sem, contudo, despojá-lo de sua humanidade”.
A Confissão de Fé Belga (1561 d.C.), adotada no Sínodo de Dort (1619 d.C.), declara que: “Todos os mortos ressurgirão da terra, e suas almas unir-se-ão aos corpos nos quais viveram antes de morrerem”. Avançando um pouco no tempo, os Trinta e Nove Artigos que a rainha Elizabete estabeleceu como posição doutrinária para a Igreja da Inglaterra (1562 d.C.) confessa que: “Cristo verdadeiramente ressurgiu da morte, novamente em seu corpo, com carne, ossos e com todas as propriedades necessárias para a perfeição de sua natureza humana; por meio do qual Ele ascendeu ao céu...”. Finalmente, a Confissão de Westminster (1647 d.C.) proclamou o seguinte: “Jesus foi crucificado, e morreu; foi enterrado, e permaneceu debaixo do poder da morte, porém, não viu qualquer corrupção. No terceiro dia Ele ressurgiu dos mortos, com o mesmo corpo no qual sofreu e também ascendeu ao céu...”.
Diante dessa “multidão” de testemunhos, nem mesmo aqueles que negam que Jesus ascendeu ao céu em carne são capazes de recusar que “até os tempos da Reforma Protestante os credos ocidentais falaram somente da ressurreição da carne”.
A importância da ressurreição da carne[]
Tendo examinado a evidência histórica, nos ateremos agora à questão teológica: Que diferença faz se Jesus realmente ressurgiu no mesmo corpo de carne no qual viveu e morreu? A resposta do Novo Testamento a esta pergunta é clara e inequívoca. Se Jesus não ressuscitou fisicamente, não há salvação (Rm 10.9), a ressurreição é o centro do evangelho pelo qual somos salvos (1Co 15.1-5). O apóstolo Paulo listou uma série de conseqüências relacionadas à negação da ressurreição física. Se Cristo não ressuscitou, então: nossa fé é inútil; nós ainda permanecemos em nossos pecados; os que dormiram em Cristo estão perdidos; os apóstolos são falsas testemunhas; e somos os mais miseráveis de todos os homens (1Co 15.14-19). Além dessas conseqüências resultantes da negação literal (carnal) da ressurreição, há outros problemas teológicos cruciais.
O problema da criação[]
Deus criou o universo material (Gn 1.1) e tudo o que criou “era muito bom” (v. 31). O pecado, porém, trouxe a morte (separação) e deteriorou a criação de Deus: “Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram” (Rm 5.12). Além disso, por causa do pecado do homem “a criação ficou sujeita à vaidade [inutilidade] (Rm 8.20). Assim, a criação tem gemido e esperado pela libertação da servidão da corrupção para a liberdade da glória dos filhos de Deus (Rm 8.21). Igualmente, nós, os crentes, “esperamos avidamente pela nossa adoção como filhos, a redenção de nossos corpos. Porque nesta esperança somos salvos” (Rm 8.23,24).
Considerando que a criação material de Deus caiu, ficou claro que, para que a redenção fosse efetivada, teria de restabelecer esta criação material. Os humanos pecam e morrem em corpos materiais e devem ser resgatados nos mesmos corpos físicos. Qualquer outro tipo de libertação seria uma admissão de derrota. Igualmente, por causa da queda do homem, a criação toda de Deus foi entregue à decadência para a recriação de um céu novo e uma nova terra (Ap 21.1-4). Se a redenção não restabelecer a criação física de Deus, incluindo nossos corpos materiais, então o propósito original de Deus, criando um mundo material, teria sido frustrado. Como o professor Robert Gundry habilmente considerou: “Qualquer coisa alheia a isso lança por terra o ensino de Paulo acerca do resgate do homem por meios físicos para o serviço eterno e adoração de Deus em uma criação restabelecida”. Assim, “desmaterializar a ressurreição, por quaisquer meios, é castrar a soberania de Deus em seu propósito criativo e graça redentora”.
Duas perguntas podem, talvez, trazer algum acréscimo positivo ao entendimento da questão em foco: 1- Adão e Eva, antes da queda, na forma exata como haviam sido formados pelo Criador, eram constituídos de corpo do tipo que chamamos "material" (carne, ossos, sangue, etc)? 2- Como conciliar tal fato (admitindo que não seja percebida sustentação escriturística para afirmar que Adão e Eva não possuíam corpo "material") com aqueloutro registrado em I Co. de que "carne e sangue não podem herdar o reino de Deus?
Se nossos primeiro pais, em sua forma original, aprovada como "muito bom" aos olhos do Criador Perfeito, possuíam carne e sangue, como poderiam alcançar o Reino (se, segundo a mesma Escritura, carne e sangue não o alcançam)?
Inicialmente, pode-se supor que: ou o primeiro casal (semente e matriz de toda a espécie humana), enquanto no estado perfeito no qual fôra formado, não possuía "carne e sangue" (e estava a raça humana destinada a herdar o "reino eterno" prometido nas Escrituras) ou era dotado de corpo material (e a espécie estava, por natureza e constituição, excluída da "vida eterna").
Nenhuma destas duas alternativas, contudo, parecem alcançar apoio das Escrituras. O que parece estar patente na Bíblia é que tanto a matriz da espécie (Adão e Eva) foram criados em carne e sangue quanto sempre houve para a espécie a proposta e oferta divinas do "Reino" com "Vida Eterna". A questão é que, a espécie humana não foi formada pelo Criador já em seu estágio final de desenvolvimento.
O uso da analogia com a semente vegetal parece adequado ao caso. Uma semente plantada no solo pode ser perfeita (como semente), mas está imperfeita (incompleta) em relação ao seu destino final (que é uma planta adulta e completa). Assim também parecer ter ocorrido com a espécie humana no início de sua trajetória: "perfeita" porém ainda "incompleta", "irrepreensível" porém ainda não "desenvolvida até ao estado de plenitude pretendida para ela pelo Criador". "Primeiro o animal, depois o espiritual", assevera a esse respeito o texto paulino em ICo. 15.
Parece óbvio, na Escritura, que a espécie humana foi criada para a incorruptibilidade e a imortalidade, todavia parece igualmente patente que, no estado inicial em que foram criados, nem Adão nem Eva estavam investidos de qualquer dos dois atributos. Uma coisa era estarem em pecado e destituídos da glória de Deus (como se acharam após a queda) e, naturalmente, desprovidos tanto da incorruptibilidade quanto da imortalidade; outra coisa era estarem sem pecado e investidos da glória de Deus (estado em que se encontravam anteriormente) mas, igualmente não revestidos quer da incorruptibilidade, quer da imortalidade.
A espécie humana foi criada para a incorruptibilidade e imortalidade; ao ser criada, porém, embora não decaída, não estava ainda investida de nenhum dos dois atributos, encontrando-se carente de ambos.
Podemos perceber que a Pessoa e a Obra do Senhor Jesus Cristo são, em termos usados na própria Escritura, "muito mais do que pedimos ou pensamos". A obra da cruz não consiste apenas na redenção e neutralização perfeita dos efeitos da queda, reconduzindo a raça humana ao estado de bem-aventurança inicial (sem pecado diante de Deus).
Glória a Deus porque na cruz o Senhor Jesus consumou de forma plena, suficiente e irreversível essa recuperação da espécie, mas, como "o último Adão" (feito por Deus "espírito vivificante"), Ele conduziu a linhagem humana a um patamar que, em seu fracasso, "o primeiro Adão" (feito por Deus "alma vivente") nunca chegou a alcançar para nós, sua progênie: a incorruptbilidade e a imortalidade.
A expressão neo-testamentária que afirma "quando isto que é corruptível se revestir da incorruptbilidade e isto que é mortal se revestir da imortalidade" nos traz algum esclarecimento sobre este ponto. No estado original de sua criação, antes da queda, a espécie não carecia de recuperação (a redenção, como nós, nascidos sob a queda, conhecemos), mas carecia da incorruptibilidade e da imortalidade das quais não haviam sido ainda revestidos. Revestimento esse, sem o qual não conseguiriam, por natureza e por constituição, "herdar o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo".
A obra que chamamos de "redenção", proporcionada pelo Senhor Jesus Cristo através de sua encarnação, crucifixão, morte, sepultamento, ressurreição, ascensão, glorificação e entronização, que é aplicada pelo Espírito vivificante em todo aquele que "nasce da água e do Espírito", não apenas reconduz o pecador perdido e condenado ao seu estado original, como também o eleva a uma condição que era desconhecida da espécie, mesmo antes da queda: incorruptibilidade e imortalidade.
Na criação apresentada em Gênesis(com uma ampliação da mesma descrição em Colossenses), conquanto tudo estivesse, "muito bom", o universo (mesmo sem a queda) não desfrutava ainda da "liberdade da glória dos filhos de Deus". Não que esse universo estivesse "sujeito à vaidade", nem "sujeito à servidão da corrupção", mas que os filhos de Deus (nossa espécie)ainda não estava no estado de glória pretendido pelo Criador: essa liberdade da glória dos filhos de Deus vem a ocorrer quando "o que é corruptível se reveste da incorruptibilidade e o que é mortal se reveste da imortalidade".
A redenção, já irreversivelmente consumada pelo Senhor Jesus, não apenas desfaz o efeito da queda e reconduz a espécie humana ao estado original perdido. Essa Sua obra, além de neutralizar as repercussões da queda e desfazer as obras do diabo, implanta aquilo que o primeiro Adão não conseguiu prover para nós: a incorruptbilidade e a imortalidade. "Cristo em nós, esperança da glória". A Escritura não diz "onde ABUNDOU o pecado, ABUNDOU a graça", mas "onde ABUNDOU o pecado, SUPERABUNDOU a graça". Essa "graça" é algo mais e vai mais além que a mera recuperação da posição inicialmente perdida.
A redenção, portanto, não se restringe a reconduzir a criação ao estado original (não decaído) mas, além de recuperá-la quanto aos efeitos da queda, eleva-a à condição pretendida por Deus para ela, condição essa nunca atingida no início. Quanto à ressurreição de nossos corpos humanos "materiais", parece óbvio no texto escriturístico que será "corporal" e "literal", não "em espírito" nem, muito menos, "figurativamente". Mas esses corpos não estarão mais na condição expressa por Paulo como "corpo animal", mas como "corpo espiritual"; quer os que não alcançarão a Herança do Primogênito, quer os que estarão revestidos da incorruptibilidade e da imortalidade.
O problema da encarnação[]
A negação de que Cristo veio ao mundo em carne humana é chamado de docetismo. Conseqüentemente, a negação de que Cristo ressuscitou em carne humana é uma espécie de neodocetismo. Ambos minimizam a humanidade plena de Cristo, o primeiro (docetismo) antes da ressurreição, o outro (neodocetismo), depois da ressurreição.
O docetismo foi o termo usado para designar uma seita que surgiu dentre o gnosticismo. O apóstolo João escreveu sua epístola advertindo a igreja contra aqueles que negavam que “Jesus Cristo” veio em carne (1Jo 4.2). Tal declaração joanina insinua que Jesus veio em carne no passado e permanecia na carne quando o apóstolo escreveu estas palavras, após a ressurreição. Na passagem paralela, o apóstolo novamente adverte contra aqueles “que não confessam que Jesus Cristo veio em carne” (2Jo 7). Isto esclarece que João considerava um erro doutrinário negar a carne de Cristo, tanto antes como depois de sua ressurreição. A razão é óbvia: a carne humana faz parte da nossa verdadeira natureza humana criada por Deus. Conseqüentemente, negar que Cristo ressuscitou em carne humana é privá-lo da plenitude de sua natureza humana.
O problema da salvação[]
Entre outras coisas, podemos definir a salvação como a vitória sobre a morte (1Co 15.54,55). Como a morte foi o resultado do pecado, e envolve diretamente o corpo material, o corpo que é ressuscitado deve ser material, para que ocorra uma vitória real sobre a morte. Fracassar na confissão de que Cristo ressuscitou em um corpo material lança por terra todo o evangelho de Cristo.
Em sua obra final sobre a natureza do “corpo” (grego: soma) no Novo Testamento, o professor Gundry nota que somente se Cristo ressurgiu no mesmo corpo físico no qual Ele morreu, podemos dizer que “Cristo efetuou a conquista sobre a morte”. Conseqüentemente, “a ressurreição de Cristo foi e a ressurreição dos cristãos também será física em sua natureza”. Um desvio nessa confissão representa a aniquilação dos propósitos redentivos de Deus para com a raça humana.
O problema da decepção[]
Também existe um grave problema moral. Alguns reivindicam os aparecimentos de Cristo como meras “materializações” realizadas com o fim de convencer os discípulos da realidade de sua ressurreição, mas não exatamente sua materialidade. Mas o que o próprio Jesus disse? “Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e vede, pois um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24.39). Jesus desafiou Tomé a tocar em suas cicatrizes e a “deixar de ser incrédulo e ser crente” (Jo 20.27).
Dada a correlação e conseqüente identidade das cicatrizes com o corpo antes da ressurreição, a única impressão que estas palavras poderiam causar na mente dos discípulos era de que Jesus obviamente estava reivindicando ter literalmente ressuscitado no mesmo corpo em que morreu, um corpo material, tangível, palpável. Ou cremos desta forma ou somos impelidos a dizer que Jesus ludibriou (enganou) descaradamente os seus seguidores. Qual alternativa se harmoniza com o evangelho?
O problema de imortalidade[]
A negação da natureza material do corpo da ressurreição é fatal para a crença cristã da imortalidade. Ao contrário dos gregos antigos, os cristãos acreditam que a verdadeira imortalidade envolve a pessoa inteira, inclusive seu corpo, ou seja, não se trata somente da continuidade da existência da alma. Mas se Cristo não ressuscitou no mesmo corpo físico em que Ele morreu, então não temos nenhuma esperança real de que atingiremos a verdadeira (plena) imortalidade.
Paulo declarou que “Jesus Cristo, aboliu a morte, e trouxe à luz a vida e a incorrupção pelo evangelho” (2Tm 1.10). É tão-somente pela vitória de Cristo sobre a morte física que os crentes podem proclamar: “Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” (1Co 15.55). Caso contrário, retomando as palavras de Paulo aos coríntios, “os que dormiram em Cristo estão perdidos” (1Co 15.18).
Por oportuno, vale lembrar a importância, nas reflexões a respeito da natureza do corpo humano do Senhor ressurreto, de se buscar o equilíbrio entre um entendimento de "um corpo ressurreto desmaterializado" e uma intelecção de "um corpo ressurreto não espiritualizado".
Ineqívoca e irrefutavelmente, era o corpo do Cristo ressurreto o mesmo que anteriormente experimentara, por exemplo, as fases regulares de infância, adolescência e vida adulta, fome, sede, sono e cansaço físico; esse mesmo corpo, todavia, após a ressurreição (mesmo antes da ascensão e glorificação), podia "atravessar" paredes, "aparecer" (revelar-se) e "desaparecer" (ocultar-se)diante de olhos humanos naturais, transcendendo elementos como tempo e espaço, características essas incompatíveis com os atributos de um corpo que costumamos classificar como "material".
Como recurso propedêutico a uma percepção mais ampliada do assunto, talvez seja útil a evocação da figura da lagarta que, mediante processo metamórfico natural, "transforma-se" em borboleta. Indubitavelmente, o corpo da novel borboleta não é outro senão o mesmo da antiga lagarta; metamorfoseado, porém e, tanto despojado de elementos vários de sua estrutura pretérita quanto investido de propriedades diversas, exclusivas de sua nova forma.
Ao se abordar a questão em foco, assunto basilar para a crença cristã na imortalidade, qual seria, talvez, o termo mais completo dos dois (ou, quiçá, o menos incompleto entre ambos) para expressar a constituição do corpo da ressurreição: "natureza material espiritualizada" ou "natureza espiritual não desmaterializada"? A materialidade, tanto quanto a espiritualidade, na natureza do corpo ressurreto do Senhor, parecem ser elementos mutuamente complementares, ao invés de excludentes.
Impõe-se a necessidade de estar-se sempre lembrado de que a afirmação da "natureza material" do corpo da ressurreição não pode trazer, implícita e subjacentemente, a negação da "natureza espiritual" desse mesmo corpo.
Com a crença cristã da imortalidade para a espécie humana, parece mostrar-se incompatível a negação de qualquer das duas naturezas no corpo ressurreto do Senhor, seja a material ou a espiritual, estando-se ciente de que "vemos por espelho" e "em parte conhecemos" (ICo. 13:12).
Uma reflexão, conduzida pelo Espírito de Deus, a respeito da natureza da chama existente na sarça ardente que impressionou Moisés e na shekinah que pairava sobre a arca no tabernáculo, pode, porventura, trazer mais luz sobre tão aprazível e importante tema.
O problema da verificação[]
Uma ressurreição imaterial não possui valor comprobatório algum. Se Cristo não ressurgiu no mesmo corpo material que foi encerrado na tumba, então a ressurreição perde totalmente o seu valor como uma evidência para a reivindicação de sua divindade. Entretanto, vemos nos evangelhos que Jesus freqüentemente apontou sua ressurreição como prova cabal de suas reivindicações (Jo 2.19-22; 10.18). Em uma dessas ocasiões, Jesus indicou a ressurreição como um sinal inigualável de sua identidade, e declarou que “nenhum outro sinal seria dado àquela geração má e incrédula” (Mt 12.39,40).
Da mesma forma, os apóstolos também ofereceram os aparecimentos da ressurreição de Jesus como sendo “muitas provas convincentes” (At 1.3). Eles empregaram o fato da ressurreição inúmeras vezes como um dos principais fundamentos da pregação ousada e destemida que empenhavam (At 2.22-36; 4.2,10; 13.32-41; 17.1-4,22-31). Paulo discursou aos filósofos gregos sobre um dia determinado “em que com justiça (Deus) há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos” (At 17.31).
Há uma razão primordial para a conexão entre o fato da ressurreição física e a verdade do cristianismo: não há nenhuma evidência real capaz de diferenciar entre uma ressurreição imaterial e uma não-ressurreição. Como poderíamos provar a ressurreição de Jesus se ela fosse apenas espiritual? Um corpo imaterial não tem nenhuma conexão verificável com um corpo material. O único modo objetivo pelo qual o mundo poderia saber que Cristo ressuscitou era pela ressurreição material (da carne) do corpo no qual Ele morreu. Como o poeta John Updike declarou: "Se Jesus não ressuscitou com o mesmo corpo em que morreu, se a dissolução de suas células tomaram seu corpo, se suas moléculas não se reanimaram, se seus aminoácidos não reacenderam, a Igreja sucumbirá!".
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